sábado, 12 de janeiro de 2008

Auto-ajuda

Leio sempre com interesse a rubrica de Clara Pinto Correia na revista do 24 horas de Sábado (provavelmente a única parte da revista que interessa). Esta semana fala-nos daquelas americanices dos livros de auto-ajuda que prometem milagres mas que só funcionam para quem os escreve.
Passo a expor na íntegra o que a Clara escreveu:

Segredos Duvidosos

«Quando nos passam para a mão um livro que, antes de mais nada, tem uma bruta cinta vermelha a toda a volta que diz "245.000 exemplares, O Livro Mais Vendido do Ano", só por si o aviso basta para sabermos que dali não pode vir nada de bom. Toda a gente tem a noção de como o conceito de livro, e até mesmo de escrita, caiu a pique pela rampa dos best-sellers ao longo da última década. Mesmo assim, isto nunca deixa de ser espantoso: uma situação extremamente degradada pode ainda degradar-se mais. Por muito preparada para a mediocridade que eu estivesse, por muito que tenha em mente que aquilo foi concebido como um produto de supermercado e não como um livro, por muito que eu pense que estas coisas já não me impressionam-eh pá, francamente. Eu não estava preparada para aquele logrom aquele veneno para a nossa configuração cerebral, aquele atentado brutal à inteligência que é essa coisa que anda para aí com o nome de "O Segredo". Mesmo as ciganas do Parque Eduardo VII fazem melhor e mais depressa.

São 206 páginas verdadeiramente degradantes. Até a nota introdutória da badana parece o paleio da senhora que está na Praça da Figueira a vender amuletos mágicos: "Foram encontrados fragmentos do Grande Segredo em culturas de tradição oral, na literatura e em diferentes religiões e filosofias ao longo dos séculos...Com este livro, aprenderá a usar O Segredo em todas as áreas da sua vida - finanças, saúde, relações. Começará a perceber o poder invisível que há em si, e essa revelação poderá trazer alegria a todos os aspectos da sua existência." [Amén]*

Bem. E a forma despudorada como a autora insiste, página sim, página não, que quem conhecer O Segredo fica rico? Sem qualquer espécie de vergonha, esta confecção deixa tudo a cintilar. É para encontrar o príncipe encantado, é para subir na hierarquia da empresa, é até para chegar à caixa do correio e encontrar lá dentro uma pipa de massa. Também faz bem à pele, cura o cancro, derrota a sida, e quase de certeza que limpa os calos e suaviza os joanetes. O testemunho científico destas verdades é debitado por uns grandes mestres de quem nunca ouviu falar - quase todos americanos, vá lá a gentesaber porquê. E o rol de todos os grandes pensadores que sempre estiveram a par de O Segredo? Fabuloso: Platão, Shakespeare, Newton, Victor Hugo, Beethoven, Lincoln, Emerson, Edison, Einstein. Este Segredo é só para homens, ao que parece. E, tirando o Platão que fica lá muito a montante na corrente, os outros são todos anglo-saxónicos. Desculpem: não se arranja uma ONG simpática para difundir O Segredo em Timor, no Médio Oriente, sei lá, em todo o continente africano? Todo o planeta dava as mãos, e passava-lhe por cima uma grande revoada de pombas brancas.  

Sempre gostava de saber o que é que entretanto aconteceu àqueles duzentos mil otários que morderam o isco em Portugal. A esta hora, já devem estar todos nas nuvens.»

* [Amén] não se encontra no texto transcrito. Foi adicionado por mim.





by: Mick

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